A Robótica Educacional, bem como os conceitos a ela associados, consolidam-se, pouco a pouco, como um instrumento de notória excelência para o trabalho com educação em seus diversos níveis. Apesar de já encontrar sua fundamentação em trabalhos de educadores visionários que remontam os anos 60 do século passado, a Robótica Educacional só começou a se popularizar há pouco tempo. Fato explicado, em parte, pelo avanço tecnológico ocorrido nos últimos anos, a massificação do uso de dispositivos digitais e o barateamento do custos de produção em massa de dispositivos eletrônicos. Como para toda ferramenta, nasce a necessidade de dominá-la, em vista de atingir os objetivos pretendidos. Nesse ponto encontra-se o espaço de trabalho e exploração da Robótica Educacional de Conteúdo. É nesse lugar onde os profissionais que possuem o arcabouço pedagógico encontram o desafio de compreender, dominar e utilizar o dispositivos de tecnologia que muitas vezes desafiam até mesmo os profissionais com formação em tecnologia. Com sua proposta, a Robótica Educacional de Conteúdo deseja entregar aos educadores, um ferramental bem compreendido, no qual os elementos pedagógicos possam estar em relevo e bem claros para quem o utiliza. Deste modo, a tecnologia gradualmente passa a ser, não um desafio intransponível, mas um forte aliado do professor no caminho da construção de novas metodologias para uma nova geração de estudantes.
Contextualizando ...
Antes mesmo de falarmos sobre a robótica educacional devemos citar alguns aspectos relacionados ao contexto e aos atores envolvidos nesse processo de inclusão da tecnologia no meio educacional. Um fato importante e curioso de se notar é que essa ideia não é um conceito novo, mas remonta os anos 70 do século passado. Um exemplo clássico do educador, matemático e cientista da Computação Seymour Papert que criu a linguagem Logo e também o seu dispositivo eletrônico para ensinar pensamento computacional.
Seymour Papert e a Logo Turtle
É importante compreender o contexto da tecnologia para compreender porque esse assunto nunca saiu de pauta e hoje se ergue como algo, ao mesmo tempo, desafiante e imprescindível. É claro que compreendemos a tecnologia a partir das nossas experiências de vida, nossos trabalhos, nossa faixa etária e também o acesso ou não que temos à mesma tecnologia. Porém, independente do modo como enxergamos a tecnologia, é importante entendermos que ela não é mais algo a parte e do qual possamos prescindir. Tudo à nossa volta é tecnologia, mesmo dentro de nós a tecnologia tem seu campo de ação.
Nossos aparelhos de TV, roteadores de internet, smartphones, aparelhos de medição de energia, comunicação, alimentos, medicamentos, exames, transportes e muitos outros. Há o que chamamos de ubiquidade, que vem a ser uma presença não notada, mas constante e atuante, e que em nossa realidade assume um papel que molda nossos hábitos constantemente. Não mais conseguimos imaginar a vida sem o uso da internet e dos inúmeros recursos que ela nos proporciona.
Diante disso podemos assumir duas posturas: (1) negar os avanços tecnológicos, assumindo um saudosismo paralisante que nos faz sermos sempre os últimos a aprender e utilizar ao nosso favor os recursos que a tecnologia nos proporciona; (2) buscar atualização, dentro de nosso contexto familiar, social e profissional, para mantermo-nos dentro da evolução social que acompanha esses avanços da tecnologia.
O problema de não escolhermos a segunda opção é que a tecnologia não para e cada dia mais exige de nós essa resposta, essa atualização dos conhecimentos e da prática. Mais do que tudo, uma mudança nos hábitos, representado pela mudança nos nossos processos diários, sejam eles relacionados à nossa vida pessoal ou profissional.
A Robótica Educacional e seu lugar na escola
Agora que compreendemos que a tecnologia é algo que nos rodeia ainda não a percebamos, vamos trazê-la para o contexto educacional para podemos confrontar tudo isso com a realidade que os educadores enfrentam nos dias atuais. Evitaremos tratar o contexto educacional como escola porque é notório que ao utilizarmos este termo, confundimos o contexto com uma estrutura física ou mesmo com elementos que não são a parte ativa da educação. Assim, utilizaremos o termo educadores para nos referirmos à parte que constrói e move a educação, incluindo nesse termo todos os indivíduos, sejam eles professores, pedagogos, gestores ou pais. Cada um exerce um papel importante no processo.
Um detalhe que não podemos deixar de citar é o choque de cultura e gerações que ocorre entre os interlocutores. Atualmente as crianças possuem uma incrível desenvoltura no que se refere a tecnologias. Como muito se diz, essa é a geração que ensina aos pais e avós. A diferença de idade entre educandos e educadores é um fato que determina diferentes visões a respeito da tecnologia. Muitos de nós aprendeu de frente pra um quadro e muita poeira de giz. Atualmente, existem inúmeros novos recursos e mais outros aparecem todos os dias. Fica porém sempre a questão da habilidade do educador e da sua intimidade no uso dos recursos tecnológicos em vista do cumprimento de sua missão.
Não é algo fácil. Tornar-se hábil com tecnologia, quando esta não é sua área de atuação, vem sendo um desafio já há muito tempo. É necessário buscar aquela mentalidade que discutimos na seção anterior, para incutir em nossa mente a ideia de que a tecnologia existe para ser nosso aliado e não o contrário. Como ferramenta educacional a tecnologia precisa ser bem compreendida para que o educador de qualquer nível possa manipulá-la ao seu favor, despertar a atenção dos educandos e promover a construção e a produção de novos conhecimentos.
Dentro desse contexto é que a robótica educacional aparece, trazendo os benefícios do uso da tecnologia que acelera processos, valida novas ideias, desperta interesse e muitos mais. Por outro lado, traz também os seus desafios, a saber, a dificuldade em dominá-la, compreendê-la, adaptá-la e, por fim, torná-la um instrumento nas mãos do educador, dentro de sua área.
Dentre os muitos benefícios da aplicação da robótica educacional estão o desenvolvimento da criatividade e da imaginação, o desenvolvimento da habilidade de trabalhar em equipe, o desenvolvimento do aprendizado a partir dos erros, a construção da auto-estima por meio da expressão individual e da construção de valor, o estímulo ao pensamento crítico e analítico na resolução de problemas, o despertar da proatividade e uma concreta adaptação ao futuro, o desenvolvimento do conceito de autoavaliação, a motivação pela aprendizagem, o desenvolvimento de novas formas de comunicação e muito mais. Apesar de todas essas coisas se destacarem com muita clareza no uso da robótica educacional, levanta-se a questão: como é possível identificar nos exercícios propostos a realização factual desses benefícios ?
Uma proposta pragmática e multidisciplinar
Quando desejamos propor uma abordagem multidisciplinar, estamos chamando para o centro de discussão um grupo heterogêneo, composto por uma diversidade de saberes, mentalidades e diferentes âmbitos de atuação. Por esse motivo, essa abordagem, bem como suas ferramentas de aplicação, necessitam de uma amplitude de ação que permita incluir o maior número possível de pessoas. Antes de ser multidisciplinar por conteúdo ela precisa ser multidisciplinar por inclusão. Diversos indivíduos representam diversas experiências pessoais com diferentes visões de mundo. Assumindo que essas pessoas tem o encargo de conduzir o processo de aprendizagem de outros indivíduos e que deseja utilizar novas ferramentas, é importante que essas ferramentas e sua abordagem associada permita que o seu conteúdo com o educador possa ser abarcado. É nesse momento que a robótica educacional de conteúdo passa a existir: quando o educador compreende e domina a ferramenta de robótica educacional e, ele mesmo, é capaz de conduzir um processo de aprendizagem, identificando as habilidades e competências que ele deseja trabalhar com o educando.
Em resumo, a Robótica Educacional de Conteúdo é uma abordagem pragmática, multidisciplinar, que integra o educador de forma ativa na aplicação da robótica, diretamente alinhada aos conteúdos pedagógicos, em vista do desenvolvimento de habilidades e competências.
O kit de Robótica Educacional Bloco.ino
Os kits de montagem e encaixe com peças plásticas são uma excelente ferramenta de exploração da criatividade e de habilidades manuais. Praticamente toda criança o reconhece e compreende sua finalidade sem necessidade de explicação. Para que pudéssemos realizar atividades segundo a abordagem da robótica educacional de conteúdo, foi pensado um kit que fosse versátil o bastante para unir tecnologia, baixo custo e uma múltipla variação de formas. Assim, algumas peças foram modeladas e impressas em 3D com o mesmo encaixe correspondente a um kit de blocos comercial. Cada peça tem uma finalidade. A partir de cada peça ou da união de algumas peças são pensadas atividades que englobam o trabalho com uma ou mais competências e habilidades.
Um pequeno robô autônomo construído com o Bloco.ino
O Arduino é uma plataforma de prototipagem eletrônica criada na Itália em 2005 e que conquistou rapidamente o gosto dos estudantes e professores (
https://www.arduino.cc/). Ela possui uma rápida curva de aprendizado e uma quantidade colossal de projetos exemplos disponíveis gratuitamente na internet, bem como um imenso número de dispositivos compatíveis como sensores, atuadores, fontes de alimentação, módulos de comunicação e muitos outros. Foi exatamente essa facilidade de uso e adequação que levou o Arduino a ser o escolhido para compor o kit junto com as outras peças. É ele a parte de controle eletrônico do kit Bloco.ino.
Vamos mostrar algumas peças do Kit Bloco.ino para que fique mais clara sua composição. Clique na imagem para ampliar.
Algumas peças de robótica do Kit Bloco.ino
A possibilidade de montar diferentes estruturas e utilizar diferentes sensores e atuadores é o que torna o Kit Bloco.ino diferente dos kits já montados e com especificidades de atividades. A liberdade de criar a partir do contexto e de sua própria experiência faz do kit um excelente aliado do educador.
O kit Bloco.ino
Validação da proposta da Robótica Educacional de Conteúdo
Em vista de obtermos um feedback dos educadores a respeito da abordagem proposta pela Robótica Educacional de Conteúdo e também fazermos um levantamento das possibilidades que o Kit Bloco.ino, realizamos dois cursos aplicados para educadores, dos quais participaram 39 educadores, entre professores, supervisores, psicólogos, pais e gestores de escolas e secretarias de educação.
O primeiro impacto deles com essa tecnologia nos causou uma excelente impressão, porque, diferente do que poderíamos pensar, encontramos profissionais bastante dispostos a conhecerem uma nova abordagem de ensino, onde novos conceitos e novos horizontes poderiam ser explorados.
O sinal de trânsito - Uma das atividades do curso REC - Bloco.ino
Partimos do pressuposto que, antes de levar a experiência para o educando, é educador quem precisa viver a experiência, sentir os impactos do confronto do conhecimento já adquirido com o novo e suas novas possibilidades. Cada educador tinha em mão o kit que adquiriu para o curso e puderam expressar suas próprias ideias, partindo apenas de um empurrão inicial. Como sempre, no uso do Arduino e dos kits de montagem, as explicações do tutor e dos monitores que os auxiliavam no curso eram diversas vezes cortadas, porque o próprio equipamento manuseado permitia intuir esses conceitos, e cada participante compreendia a partir do seu universo.
Uma versão de um professor do Robô B.Random - Curso REC Bloco.ino
Ainda que fosse preciso usar várias metáforas para explicar conceitos relacionados a eletricidade e eletrônica, ficou claro que a compreensão desses conceitos não foi difícil, devido não ser necessário demasiado aprofundamento. O bastante aprendido foi suficiente para estabelecermos a relação entre os conceitos de eletricidade e o funcionamento dos dispositivos, sensores e atuadores. Sensores, aqui citados, são componentes eletrônicos que transformam grandezas (tais como temperatura, luminosidade, luz ultravioleta, som ...) em grandezas elétricas como a tensão, que podem ser lidas e medidas pelo Arduino. Esses componentes permitem estabelecer uma relação direta de leitura desses valores e mapear cada valor em um atuador (tais como motores, leds, bombas dágua e outros).
Indicador de Luminosidade
No video acima vemos a utilização de um sensor de luminosidade e um servo motor. A intensidade da luz que inside sobre o sensor determina um valor de tensão repassado para o Arduino. O Arduino por sua vez foi configurado para mapear esse valor para um ângulo de 0 a 180 graus e posicionar o motor no angulo obtido.
No segundo dia do curso cada educador foi desafiado a construir seu próprio robô, seguindo as instruções que foram fornecidas. Partindo do aprendizado detalhado de cada componente, iniciamos mostrando como funcionam os motores, como é possivel inverter sua rotação e controlar sua velocidade. Somente depois disso pudemos mapear dois dispositivos de controle de velocidade, um para cada motor, para que fosse possivel construir um pequeno controle manual. Tendo feito o controle dos motores, cada educador montou a base de sustentação do robô e ficou livre para criar sua própria versao do Robo B.Random.
Deixamos abaixo alguns vídeos dos testes dos robôs construídos na manhã do curso.
O controle dos motores por meio de dois botôes giratórios foi um ótimo exercício para o cérebro. Um tipo de linguagem precisa ser aprendida pela nossa mente quando temos que indicar uma ação a um dispositivo que se movimenta conforme o sentido de rotação desses motores. Cada educador sentiu o desafio de evitar os obstaculos, dando respostas rápidas, seguindo a "linguagem" de controle eletromecânico do motor.
A diversão escondia o esforço empreendido para aprender, tornava a atividade agradável e ao mesmo tempo cheia de novas perspectivas. Durante essa interação os educadores vislumbraram diversas atividades de matemática, linguagem, sociabilização, geografia, artes cênicas, e muitas mais. Era o momento em que a experiência pessoal se expressava de um novo modo.
Cada robô possuía algumas característica próprias relacionadas ao centro de massa, ou mesmo à forma como o participante implementou a ligação dos fios do controle. Por esse motivo, os momentos em que algum defeito na parte eletrônica ou mecânica eram momentos também de aprendizado e cada um ia conhecendo um pouco mais da sua criação. Quem construiu ia pouco a pouco percebendo as nuances de sua montagem. Nesse ponto, os participantes se ajudavam trocando dicas de como cada um fez o seu robô.
Há também um componente artístico inserido, onde o participante vê e cria um elemento do seu próprio imaginário. Essa expressão faz parte de um valor de criação que tem forte eco na construção da autoestima do indivíduo.
Concluindo
Podemos observar com clareza que os novos rumos da Educação passam impreterivelmente pelo uso constante da tecnologia. Não podemos, entretanto, pensar que a solução exclui os educadores. Como artífices do processo educacional, são eles que devem abraçar essa nova paleta de ferramentas para poder delinear o escopo de atuação da tecnologia, promovendo essa atuação dos novos métodos a seu favor. Não é possível afirmar que uma abordagem que utilize robótica educacional seja multidisciplinar se ela excluir os agentes promotores da educação. É preciso considerar o educador como peça essencial desse movimento, por ele ser a pessoa que acompanha o educando e o único capaz de perceber sua evolução dentro desse processo. Sendo assim, toda e qualquer ação educacional que exclui essa persona, tende a ser apenas uma abordagem lúdica, descontextualizada. A Robótica Educacional de Conteúdo vem como proposta que parte da experiência do educador, é implementada pelas mãos do próprio educador, e devolve a ele o fruto da ação executada, para que ele mesmo possa aplicar sua própria análise.